Sou portuguesa, com certeza.

O bacalhau, o cozido, a marmelada, as moelas, as ruelas, a saudade e as pessoas. Tudo faz parte do nosso bocadinho à beira-mar. E cá estou, num bocadinho mais acima, no cantinho minhoto do nosso adorável país.

Lembro-me bem da primeira vez. A primeira vez que "senti Portugal" foi em Lisboa. Era ainda uma prematura na cidade e tudo era novo para mim. As ruas, o cheiro, as caras. E foi numa ruela muito torta que ouvi um fado. Não sei quem cantava, não sei onde estava, mas ouvi-lo foi sintonizar-me ao sítio onde morava. Digo que me senti portuguesa ali e, ainda hoje, quando ouço fado, seja ele qual for, volto a lembrar-me que o sou. E isso traz orgulho, paixão e traz uma certa nostalgia, tem que trazer.

I
Estava eu no meu 12º ano quando li Pessoa. Sabia quem era, conhecia-lhe a história e, ria-se acerca disso, nunca o tinha lido. Não foi tarde. Apaixonei-me ao primeiro poema. Tenho a certeza que lhe conhecem estas palavras: 

"O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente."


Hoje percebo porque me identifiquei de imediato com tal denuncia. Ora ali estava alguém que se assumia enquanto poeta - arte da sua vida - e, ao mesmo, tempo, se declarava um "fingidor". Do lado de cá, senti que podia confiar em tais palavras, porque elas eram duras e, mais ainda, eram dirigidas a si (e a todos os poetas). Na altura, já escrevia um blog e, depois de reler o poema, consegui perceber que também eu - uma miniatura de escritora - era uma fingidora, por vezes. Não que escrevesse mentiras, mas também eu reescrevia momentos da minha vida, de uma forma mais detalhada e positiva do que o momento em si. Não sei se me faço entender. Talvez nem Pessoa se fizesse. Mas o que é certo é que há sempre alguém que se identifique com ele e aquele foi o meu dia. Até hoje.
II
Passando um século de triunfos literários à frente, falo-vos do dia em que me esbarrei com Saramago. Desta vez, de uma forma pouco convencional e fora do contexto académico, conheci-o não pela sua escrita, mas pela sua simples maneira de ser. Vi o seu documentário, que até hoje continua a ser um dos documentários biográficos mais bonitos que já vi, José & Pilar. Demorou cerca de 1h30min para me apaixonar pela serenidade e sinceridade de José de Sousa. É verdade, José de Sousa seria o seu nome, não fosse o acaso determinar que um funcionário do registo estivesse embriagado, trocando o seu último nome por SARAMAGO.

E sobre Saramago, falar-vos-ia até para o ano. Não lhe li muitas obras, para ser sincera. Hoje não sou uma pessoa que devore mais do que 4 livros por ano. Mas sempre que escolho um para ler, terá que ser de Saramago. Estou neste momento a ler "Pequenas Memórias", um livro também ele pequenino, que resume a vida deste escritor, em jeito de autobiografia.

Tenho também a dizer-vos que, apesar de Memorial do Convento ter sido uma obra enorme e chata para se ler em contexto de obrigatoriedade, a verdade é que ela me despertou para o tom reprovador e denunciador de Saramago. Eu admiro-o exatamente por isso. Por fazer com que o pó sacudido para debaixo do tapete seja visto por todos.

III
Sacudindo os escritores para lá, trago-vos duas minhas paixões musicais portuguesas. É tão fácil gostarmos de música, não é? Sinto que é uma das coisas mais fáceis de amar e, nesta linha de pensamento, também uma das que reúne mais pessoas diferentes num saco comum. Tenho a certeza que, algures numa ponta do mundo, existe uma freirinha a gostar de Michael Jackson e, numa outra ponta, um vagabundo sem rumo também.

Falo-vos de António Zambujo. Ainda hoje fui puxar de uma gravação da entrevista que ele deu ao Daniel Oliveira, no alta definição e, sendo eu uma obcecada por autobiografias e entrevistas intimistas assim, não podia mesmo deixar de ver. A música de Zambujo é deliciosa. De certeza que há quem não ligue, mas eu cá acho que não há forma de não se gostar da sua música. É serena, pausada e alegre. E conta-nos sempre uma história. Ainda este Verão, tive a oportunidade inesperada de o ouvir, no Meo Marés Vivas, ao lado de Dengaz. Surgiu como convidado surpresa e cantou-nos esta bela patricinha.
IV
Uma cara sorridente do fado moderno: a Gisela. Tenho-a acompanhado cada vez mais de perto. Adoro segui-la no instagram, lá conseguimos vê-la na sua essência, com as suas maluqueiras e trato genuíno, sobretudo isto! (@giselajoaoaberdadeira

Ainda hoje ouvi esta nova canção do seu álbum "Nua"- O Senhor Extraterrestre - que é uma interpretação de um poema de Carlos Paião, escrito especialmente para Amália Rodrigues. Ela é sempre muito autêntica e aquele sotaque do norte é meio caminho andado para eu gostar da sua música. Mulher do Norte é forte! 

E aqui ficam algumas das minhas marcas culturais portuguesas. Penso várias vezes nelas e inspiro-me através delas. Hoje, este post surge numa tentativa de vos inspirar também...! E, claro, se tiverem boas influências para mim, venham elas.

Comentários

  1. Engraçado como existem momentos que, por mais simples que sejam, nos marcam e ficam connosco para sempre.

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  2. O meu querido Saramago aí representado é, com certeza, a personalidade que mais gosto de todo esse leque de portugueses gigantes que apresentaste!
    Tenho um amor especial pela escrita de José Rodrigues dos Santos e de António Lobo Antunes, sinto o fado português com a icónica voz da Mariza e com a doçura do Carlos do Carmo - que ao vivo é só tremendo -, sou apaixonada pelo talento dos Dead Combo e pela voz sedutora do Tiago Bettencourt.
    Somos um país tão intenso em todas as medidas e vertentes... tão bom! :)

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